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O Vício do Ketchup

O Vício do Ketchup

07
Mar21

11

J

Achei que teria coisas importantes a dizer quando um dia cá voltasse. Foram precisos quase 5 anos, 4 empregos, 3 quilos a mais, 2 confinamentos e 1 cabelo branco que encontrei por acaso, escondido no meio de tantos outros negros. No meu couro cabeludo, as minorias são outras e os padrões típicos do universo também não se aplicam: ali, é no branco que está a ausência da cor.

Voltei muitas vezes antes para me ler e me conhecer melhor. Há coisas minhas que só descubro quando saem da cabeça para o texto, como água que parece cair nova do céu, mas vem pelo menos em parte da que um dia urinámos. Considerando o pouquíssimo que escrevi nos últimos anos, é possível que tenha muita informação pendente a processar.

Vivi muitas vidas entretanto. Mas hoje, o que tenho a escrever é que está um dia bonito lá fora e eu estou cá dentro. Mas estou bem, tão bem. Fica aqui a nota para o meu eu futuro se lembrar de quanta sorte nós temos.

09
Set16

10

J

Como se ama uma pedra?
Firme, inflexível, fria.
Eterna espectadora da vida dos outros, das emoções dos outros,
Da fluidez dos corpos moles que atravessam o mundo com a plasticidade do barro húmido.
Como se ama uma pedra que não dobra, que não sente?
Que mente...
Alegria nas horas de ócio,
Melancolia na solenidade da dor.
Como se ama algo que não sabe amar de volta?

06
Ago15

9

J

Em apenas um ano, tornou-se rotineiro pisar um palco. Nada o faria prever no passado. Basta um único impulso, uma necessidade súbita de virar bruscamente o carro para o sentido oposto ao indicado pelo GPS para muita coisa mudar em pouco tempo. Assim, passei a rotineiramente ter um público de anónimos à minha frente que olha para mim sem me ver (já que a iluminação é sempre complicada para os meus lados), ouve-me sem saber, mas guardar-me-á na sua memória colectiva. Rotineiramente preparo o fato, a camisa, os sapatos cedidos pelo irmão que tanto me fazem sentir como se o estivesse a pisar - quantas vezes o desejei - como se estivesse a caminhar com ele. Organizo as partituras, colocando-as pela ordem do programa, com atenção às que estão impressas nos dois lados da folha para não saltar sistemas inteiros. Confirmo que sei as melodias de cor (há tanto tempo) e que sei interpretá-las nas claves de fá e sol. Revejo mentalmente a minha posição no palco. Lembro-me de olhar para o maestro, o que é também pretexto para ter vislumbres do público já tão habituado a não ver mais que as costas dele e as mãos frenéticas que se parecem multiplicar por dez quando tocam coisas impossíveis no piano e ainda dirigem ao mesmo tempo. A voz está aquecida, colocada o melhor que por enquanto consegue, pronta para combater a secura inicial na boca que parece acusar nervos, mas também excitação. A mente aprecia os últimos segundos de silêncio, entre os primeiros aplausos e a primeira nota, que terá para se concentrar antes de tudo acontecer muito rápido. E então, a voz sai e entre as outras vozes se dilui, desaparecendo o 'eu' no palco para que chegue um 'nós' ao público, directamente ou amplificado. E o 'nós' é sempre melhor, mais forte, mais memorável. Rotineiramente, nós pisamos um palco e somos tudo, ou quase tudo, aquilo que conseguimos ser naquele instante.

 

Não piso palcos em Agosto. Mas neste mês, tal como nos demais, já por muitos anos, outros contextos e outras pessoas constantemente reforçam em mim a lição de que muita coisa é melhor na vida quando não a vivemos sozinhos. Quer dizer, teria sido melhor se hoje tivesse ido à falência por motivos mais nobres do que uma chamada para a Telepizza... ou talvez seja essa precisamente a situação ideal. Mas calma, o "antes só que mal acompanhado" ainda se aplica. Sim, estou a olhar para ti. Pára de ler.

28
Set14

8

J

Não nasci com os genes certos. Falta-me uma beleza que não seja apenas diferente ou interior, falta-me uma personalidade que não seja apenas estranha. Até me faltam os genes das costas perfeitamente direitas nos raios-X. Também me faltam os genes que me permitem entender os sonhos. Vejo-nos a nós, humanos, tão pequenos e insignificantes, mas sempre com tanta necessidade de sonhar. De noite, de dia, a dormir ou acordados, sonhos enormes que nos permitem crescer para lá das nossas barreiras de tecidos biológicos enquanto algo no Universo não se encarrega de nos roubar ou os sonhos ou o corpo. Não nos entendo; não me entendo. E, apesar de tudo, eu nem sequer sonho em grande. Certamente, não de noite; essa não costuma passar de uma névoa escura indecifrável e incrivelmente rápida que decide sempre desvanecer no preciso momento em que os meus olhos se abrem em busca dela. Não, o meu único sonho maior só existia após o despertar e já o realizei, sem que ele me realizasse a mim. Foi desde então que aprendi a sonhar sobretudo em ponto pequeno e a curto prazo, sonhos que é quase certo tornarem-se realidade porque nunca vão além das liberdades que esta me dá. É esse o meu novo ponto de equilíbrio. Pelo meio, vou-me arrastando melancolicamente pelos espaços de uma faculdade na qual só me inscrevi precisamente para não ter de passar a vida só a sonhar com o dinheiro, mas sim a tê-lo nas mãos (a minha mente ingénua ainda prefere não considerar as variáveis crise, desemprego pura má sorte na equação - parece que ainda sonho mais do que me apercebo)

 

Entretanto, outras pessoas há que entendem esta coisa de querer sempre sonhar alto. Tanto sonham que, eventualmente, o que antes era alto torna-se cada vez mais palpável, mais próximo, mais real. A minha grande falta de empatia é temporariamente colmatada sempre que essas pessoas ficam um passo mais perto do que procuram, tanto as pessoas que são muito próximas, como aquelas que se vão mantendo a uma distância evidente, mas segura. Eu fico... feliz por elas? Estou a sonhar. Seja quem for que me leia, fiquem só um bocadinho felizes também por osmose e dêem uma vista de olhos a este sonho abaixo que, ao contrário de nuvens que não querem chover, vai encontrando caminhos pelos quais pode bem vir-se a cumprir. E este é só um exemplo.

 

Miriam Furtado - Artista Plástica

(clicar acima para visitar página da artista)

 

 
Entrevista RTP com a artista:
 

 

Obra de Miriam Furtado
 

Porque um pouco de promoção descarada faz sempre bem. Aplicar 3x vezes ao dia para melhores resultados.

31
Mar13

7

J

É para isto que tenho este blog. Para, de cada vez que é para lá da madrugada e eu descubro ou recordo tantas razões para não adormecer, poder vir cá fingir que digo muito, mesmo não estando a dizer nada de nada, e depois ler-me e saber que sou eu e saber quem eu sou e não saber nada, mas saber que é isso que sei. Lá está, não disse nada de nada. Mas digo agora que sou um esquisitóide bué feliz.

12
Fev13

6

J

Sinto-me confortável com música feita em línguas que não entendo. O inglês quase universal é - em boa parte, por isso - quase sempre comum; quanto muito, é confuso. O francês tem a mesma poesia que o português, com um extra de charme difícil de explicar. Mas as línguas que não entendo é que guardam o fascínio e a verdade. Fazem muito mais sentido todos aqueles sons indefiníveis do que as sílabas familiares de todos os dias, como se fosse obrigatório o desconhecido para explicar o estranho. 

 

Sigur Rós daqui a dois dias, no Dia dos Namorados, mas sem namorada ou qualquer outra companhia para o concerto. É exactamente essa uma das razões pelas quais há-de ser o melhor concerto a que já fui (mas não o melhor a que alguma vez irei, espero): vou sentir-me explicado, mas não vou ter de me explicar a ninguém. 

07
Jan13

5

J

Todos os dias acabam iguais, com os olhos firmes na sua decisão de não se fecharem, não por quererem prolongar o presente, mas por quererem adiar o futuro. Cada ciclo de ausência e regresso aproxima-me das coisas que não quero que aconteçam, das coisas que não quero fazer, por mais que as imagine. Não quero sair de casa amanhã e sentir o comboio levar-me para longe. Não quero entrar no ginásio e saltar de todas as formas que sei (são poucas). Não quero fazer as compras que planeei; não quero fazer outros planos depois de cumprir esse; não quero estudar para o emprego que quero, nem quero o emprego, nem o carro pago, nem a mulher, nem os filhos, nem a reforma afortunada. Não quero que o tempo passe. Não quero o futuro, porque, no extremo do futuro, está o fim de tudo, seja de mim ou daquilo que faz de mim quem sou. Ao mesmo tempo, no presente, sou um esboço incompleto. Sou insatisfeito no presente. Felizmente, ele só dura aquele instante imediatamente antes de pensar que estou a pensar no que estou a pensar. Muito recentemente, acabei de pensar que sou maluco. Isso agora é passado. 

05
Jan13

4

J
Todas as vezes que saio de casa, vou com a esperança de ter a conversa mais improvável de sempre. No comboio, só me sento se tiver direito a um lugar à janela e é para ela (não através dela) que olho, a acompanhar o reflexo da pessoa do outro lado do corredor, esperando pelo segundo em que ela se vai levantar, sentar-se à minha frente e sussurrar: "Hoje decidi que me ia suicidar." Nas horas de ponta dentro do metro, em que nem há a preocupação de cair porque as pessoas são airbags vivos em meu redor, tenho a certeza de que a pessoa atrás de mim vai sair daquela carruagem rumo a um momento decisivo na sua vida e partilho a frustração dela por não me poder falar sobre isso, graças a todo aquele público não solicitado. Quando vou aleatoriamente sentar-me diante do rio e apreciar a eterna monotonia com que ele (de)corre, que nem um filme sem protagonista, sei que alguém velho e sábio há-de trazer até mim as suas antigas aventuras com amantes na praia, camaradas em navios e bóias no mar. A andar na rua, entre Testemunhas de Jeová, voluntários da AMI, activistas, assaltantes e chatos não identificados, acredito que só não sou abordado por alguém que hei-de passar a apreciar muito porque ando agressivamente depressa e sou difícil de acompanhar.

Mas ai de quem tentar abordar-me na rua.
04
Jan13

3

J

Aquele instante em que tudo é apenas um murmúrio líquido em meu redor, uma música distante para lá das cortinas dos olhos, para lá das outras cortinas. O momento em que todas as sensações se resumem ao meu corpo imerso e inerte, a respiração suspensa, morto temporariamente enquanto não se morre de verdade. O chuveiro que roça o topo da minha cabeça, baba-se sobre o meu ombro sujo de espuma e aquece-me por dentro com a mesma facilidade com que as nuvens choram e me arrefecem por fora. O remoinho miúdo a arrastar o meu cobertor de água para lugares que nunca verei, por caminhos mergulhados na mesma escuridão que visto na pele. Reerguer como quem renasce, baptizado pelo conforto da solidão.

 

Epá, já não cheiro mal. 

03
Jan13

2

J

Estar de dieta é ter fome. Estar de dieta, sendo magro e saudável, é ter fome e ser estúpido.

 

É acordar todos os dias na expectativa do iogurte?! fruta?! que será o pequeno-almoço, porque, na noite anterior, não se comeu senão metade do arroz, com metade do ketchup, com o dobro da salada?!, a compensar o défice de vegetais que já conta anos. Duas horas depois, é andar-correr atrás do pão, com queijo ou cenas, e sentir que o pão sabe a tudo aquilo que sempre se quis provar sem saber. Nas mãos, é a urgência dos lisboetas às 8 da manhã; no estômago, é o fogo de artíficio do Dubai. No almoço, é todas as paisagens do Paraíso combinadas, mas sem as pessoas nele - seria estranho comê-las, com ou sem duplo sentido. Não é um lanche, são vários, todos eles praticamente simbólicos. Talvez seja por isso tão palpável, tão carnal a experiência de jantar, num prato em que cada elemento é uma cor e cada cor uma bandeira, uma nação forte. 

 

Estar de dieta, sendo magro e saudável, é perceber que só pela ausência se valoriza a presença ao máximo. É acordar todos os dias esfomeado com esta vontade de entender este universo de coisas, limitando a interacção com ele para maximizar a observação. É aprender, depois ficar sobrecarregado, e aprender mais um pouco, fechando a boca e abrindo os olhos. Por mais que queira digerir um pedaço do mundo à minha volta só para garantir o meu lugar, bonito, bonito é sentar à distância e vê-lo acontecer. Cada trinca que depois mereço vale muito mais só por isso.

02
Jan13

1

J

No primeiro dia, recusei-me a escrever sobre o primeiro dia e, por isso, nada escrevi. Comi, fiz conversa de circunstância, comi, fingi que acompanhava filmes na TV, comi, brinquei com ela - elas - e todo eu fui aquela brincadeira. Mas mantive os dedos calados, o teclado ausente, o papel. Tudo engordou, menos a palavra.

 

No primeiro dia, recusei-me a escrever sobre o primeiro dia e, por isso, deveria aproveitar o segundo. Fi-lo há 3 anos e saiu poema e do poema saiu prémio e do prémio saiu nada, mas eu não quero nada - e, por isso, nada escreverei. Não sobre isso; não sobre essa poeira levantada pelo virar da página no calendário, essa lembrança de que, por mais iguais que sejam os dias, há sempre um que começa e um que acaba as coisas, um em que se suja e um em que se varre, até tudo voltar ao mesmo, ou quase. Depois, no vazio intermédio, muito do que se começa interrompe-se e muito do que devia ter terminado continua, porque é assim e vai ser assim muitas mais vezes.

 

No primeiro dia, aceitei que não posso escrever sobre o primeiro dia, nem nesse dia nem nos seguintes. Assim, no futuro, ninguém vai descobrir que menti. (É que nem quando desejo um bom ano sou sincero, quer dizer... Pois.)

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